sábado, 1 de fevereiro de 2020

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

João nasceu, João morreu - antes dos 18

João nasceu, João morreu - antes dos 18

João, um nome comum, para um menino comum, que nasceu em família humilde, o que não quer dizer que por isso não tinha valores, pelo contrário, a mãe, que criou os filhos sozinha, sempre mostrou-lhes que o trabalho e a honestidade são os melhores caminhos. Dividida entre dois empregos, ela teve também que dividir tempo com os filhos. Enquanto eles relutavam em estudar, ela comprava livros para que eles, aos cinco e seis anos, se entusiasmassem com o ensino, enquanto eles queriam ir para a rua, ela insistia na creche.

Mais tarde a mãe foi chamada na escola e orientada a colocar o filho João em aula de reforço. Empenhada, a genitora conseguiu vaga em projeto cultural para João em período contraturno. Lá, aos dez anos de idade, ele jogava futebol, tinha aulas de reforço, aula de informática, capoeira. 

Mas o menino cansou dos livros, das bolinhas de gude, do projeto, do esporte. Aos doze anos viu na rua uma vida mais atrativa. A mãe estava no segundo emprego enquanto o filho estava em casa, dizendo que jogava videogame, mas na verdade descia a rua para ficar na companhia dos amigos. Passava o dia jogando conversa fora, às vezes soltava pipa. 

Depois começou a sair com os amigos para mais longe, para campinhos de futebol, mas não para jogar futebol, começou a acompanhá-los para onde quer que iam. Amigos estes que lhe ensinaram a enrolar um baseado de maconha. 

A mãe, sem poder acompanhar as amizades do filho de perto, torcia de longe, para seu sucesso na escola, na profissão e na vida. Pensava que ele ia mal na escola, que faltava nas aulas de vez em quando. Até ser chamada na escola.

O Conselho Tutelar foi acionado, a mãe advertida, chorando implorava ao filho para estudar e no futuro conseguir um bom emprego. Ela chegou a pensar em largar um dos empregos para ficar com João em casa. Mas era escolher entre a educação do filho e comida na mesa, não tinha opção.

Mãe que é mãe percebe quando o filho chega em casa com olhos vermelhos, com reflexos lentos e raciocínio demorado. Mas mãe é sempre meio cega, tenta internamente se convencer que é só uma fase.

João, com treze anos, já conhecia todos na rua, desde a dona da mercearia até o "leque" da "boca". Amizade, tinha com todos, até com o policial, seu vizinho. Passou a andar com adolescentes mais velhos, que já não estudavam também e viam no tráfico de drogas a vida farta e fácil que buscavam.

João, sem ocupação, com a mãe trabalhando, não perdia tempo, almoçava e corria para os amigos. Até que foi colocado na roda, fazendo um serviço rápido para ganhar um refrigerante, depois uma coxinha, outro dia um mp3, depois um celular, até um tênis novo. O negócio foi ficando lucrativo. Passou a vender o que antes só usava. A maconha vendia bem, mas rendia pouco, passou para o "pó" e para a "pedra". 

Quando a mãe voltava mais cedo do trabalho via o filho em más companhias. Na primeira vez viu o filho com corrente de prata, boné e óculos de sol que não foi ela quem dera. Pegou o menino pelo braço e levou de arrasto para a casa. João ficou mais revoltado ainda, já gritava com a mãe, dizia que já era adolescente, não queria passar vergonha na frente dos amigos e não precisa mais de ordens da mãe. 

João, aos quinze já era conhecido na rua como aquele que nunca fora pego pela polícia. Já pensava ser o maior dentre os amigos. Para provar que tinha poder e que todos lhe obedeciam, passou a praticar assalto com os "amigos" quando a venda dos entorpecentes estava fraca, ou quando seus amigos "perdiam" a droga para a polícia.

Nos primeiros roubos era só simulação de arma de fogo, celular embaixo da camisa, que já dava medo no granfino que entregava até a chave do carro. João viu que a vida era fácil e começou a ousar. Entrava nas casas até sozinho, sempre simulando arma, chegou a comer comida da geladeira. Já pensava ser imbatível e não tinha medo de permanecer longos períodos nas casas objeto de roubos, colocava tudo no carro das vítimas, levando desde joias, computadores, televisões, até cadeirinhas de bebê. 

Da sua própria mãe João já nem se lembrava. Passava não só os dias como as noites fora de casa. Sempre tinha um amigo com uma colchão sobrando. A mãe já não sabia mais a quem pedir ajuda. O pai abandonou o filho ainda quando criança, o Conselho Tutelar já não via mais solução, o projeto social já não tinha mais domínio sobre João. Agora a influência sobre ele era unicamente do tráfico de drogas, do ato infracional. A arma na cintura já era costume.

Quanto mais se ganha, mais se almeja. Quando mais se ousa, mais se atreve. Assim João foi galgando posições na vida infracional. Já não tinha mais receio, ria na cara das vítimas. Pego por algumas vezes, logo era liberado. Se ficava mais alguns dias internado, não tinha problema, logo retornava às ruas. A mãe sempre aparecia nas audiências chorando, sem saber como explicar as atitudes do filho e sem solução para os casos. 

João chegou aos 16 anos como um dos maiores traficantes de seu bairro e o mais ousado assaltante. Os assaltos foram ficando cada vez mais pesados, a arma já era apontada na cabeça das vítimas, até de crianças. João nunca teve valores de família depois que passou a viver mais nas ruas do que em casa. Tudo o que sua mãe lhe ensinou o tráfico apagou.

Se a ambição só cresce, os alvos também. João passou a assaltar em bairros nobres, entrar em casa até com câmeras de vigilância, mas suas ações não eram impedidas por estas armas, a sua era maior, a inimputabilidade. As consequências, breves, a reeducação almejada, inatingível. De volta às ruas, João só crescia, em estatura, malandragem e maldade.

Até que entrou na casa errada, onde ameaçou a família toda, rapou celular, notebook, fez roleta russa no bebê, sem medo. A vida era um risco, e esse risco não podia passar em branco. Queria deixar sua marca, nem que fosse nas vítimas. Mas essa casa era de parentes de policial. O alarme, em silêncio, foi disparado. Logo a viatura descaracterizada estava em frente à casa.

Se não tivesse reconhecido no portão o policial, seu vizinho, pensaria se tratar de mais um morador da casa chegando. João demorou a compreender a situação nunca foi pego em flagrante num assalto à residência, apenas nos assaltos na rua ou no tráfico.

Ao ver que o policial lhe encarava, João não pensou duas vezes, disparou contra o portão e correu para dentro da casa. A polícia armou o cerco. Correndo pelos corredores da mansão, João encontrou a porta de saída para os fundos, conseguiu escalar o muro, só não pensava encontrar ali, do outro lado, o policial vizinho, e também, a morte. João se negou a largar a arma, não queria ser levado, queria mostrar que conseguia escapar de mais uma, pulou o muro e desatou a correr ainda com a arma em punho. O policial vizinho, sem opção de refrear o adolescente, viu-se obrigado a atirar.

Na mesma noite o policial, acompanhado do Conselho Tutelar, bateu à porta da vizinha, mãe de João, trazendo-lhe a péssima notícia de que o filho tinha sido vítima de sua própria ganância. A mãe, em vez de se debulhar em lágrimas, respirou fundo, pegou a bolsa, pegou a mão do outro filho, fechou a porta e mudou-se para longe. Não queria ver o filho caçula ter o mesmo destino de João, que nasceu, cresceu e morreu antes dos 18 anos de idade. João, um nome comum, um fim também comum para alguns que dessa maneira vivem.

(História fictícia escrita em 2015, mas que pode ser verdadeira)



terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Viagem


Até hoje viajei pouco.
Mas quando viajo, a maior parte das vezes é bem longe, mas ao mesmo tempo bem perto, consigo ver de longe meu destino, mas nunca consegui de fato apalpá-lo.
Ele tem diversas formas, transforma-se, o que me alegra, pois sempre parece um lugar diferente.
Sempre gostei de olhar para os céus e viajar com as nuvens.
São belos exemplos de que tudo muda de lugar, forma, foge quando se tenta rapidamente alcançá-lo, parece até que falo de sonhos.
As nuvens são aquelas janelas que nos abrem a imaginação, que nos permitem voltar a ser criança e imaginar animais, objetos, pessoas em suas formas.
As nuvens me levam pra qualquer lugar que eu queira, muitas vezes sou eu quem lhes dá a forma.
Quando quero viajar, porém o tempo ou o dinheiro não me permitem, basta olhar para o céu, rezar para não ter chuvas e torcer por um dia de sol com algumas nuvens para emoldurarem o pôr-do-sol.
Um dos mais belos espetáculos da natureza está sempre ali, ao nosso alcance, nem tanto assim, mas à nossa visão.
Para viajar, basta erguer os olhos e imaginar. Ou pegar um livro.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Tenho o que fazer...

Tenho o que fazer... Mas ajo como se não tivesse...
Todo mundo se preocupa com o relógio, quando acaba perdendo tempo de tanto olhá-lo.
Quando tenho muita coisa para fazer, aí mesmo que gosto de parar e fazer o que não preciso. Quem já não passou por isso?
Psicólogos irão me analisar e dar o diagnóstico de alguma síndrome ou cid.
Sempre que fico nervosa, paro, sento e como.
Decisões para tomar? O melhor é dormir. Dormir tira toda a carga que pesa sobre meus ombros.
Quando tenho uma data importante chegando, arrumo o armário.
Se tenho medo, vou ver um filme. Existem tantas alternativas para fugir de uma decisão importante, uma tarefa árdua, uma prova.
Mas sempre tem algo para fazer naquela lista que não termina nunca.
Às vezes marco lá um X de concluído, só para não ficar olhando para a imensa lista de tarefas a fazer.
O que mais quero é sentar no sofá e assistir um filme com pipoca, é me estirar na cadeira na beira da piscina. 
Tenho coisas pra fazer? Sim. Urgentes? Sim. Importantes? Sim. Mas meu tempo vale mais que tudo isso e se eu deixá-lo passar só com obrigações, que terá valido vivê-lo?

Estou "vendendo" meu peixe?

O sinal ficou vermelho.Olho e vejo no veículo à minha frente um símbolo colado, um desenho que não reconheço. Hoje é moda colar na parte de trás do carro algo que lhe represente. A família, o time de futebol, o símbolo de um grupo social.
No meu carro, eu tenho um peixe. Muitos logo reconhecem seu significado. É o símbolo que identifica os cristãos. Primeiro porque a palavra ‘peixe’ no grego era escrita ‘ichthys” e com suas letras escrevia-se (I - Je sus), (ch - Cristo), (th - de Deus), (y - Filho), (s -Salva dor). Depois porque os cristãos perseguidos desenhavam na areia o peixe quando queriam falar de Cristo.

Pensando no assunto, eu pergunto: você, que cola o peixe no carro, faz isso pensando em você ou nos outros? É para se identificar, fazendo parte de um grupo social, ou para testemunhar? Talvez as duas opções... 

O meu problema começou no dia em que ouvi de uma amiga uma indagação a respeito do “peixe” colado no meu carro, se ele seria o símbolo de alguma seita, pois já o observara em vários outros carros. 

Pensei comigo: ela não sabe que sou cristã??? Claro que, talvez, ela simplesmente não tenha associado o símbolo à minha crença. Mas, internamente, passei a remoer as minhas atitudes relacionadas à minha amiga, pois, também talvez, eu realmente não esteja refletindo o caráter de Cristo, o que eu deveria transparecer com clareza, já que “pelos seus frutos vocês os reconhecerão” (Mateus 7.20).

Será que não exalo o perfume de Cristo (2 Coríntios 2.15)? Será que sou sal no saleiro, como fazem referência àqueles que não testemunham para o mundo, mas apenas dentro da igreja? Se minhas atitudes não falam, pelo jeito minha boca também não falou e meu “peixe” não foi “vendido”, como diria o ditado. 

Mas meu peixe vai continuar no meu carro, sabendo agora que devo agir e falar para explicar o porquê de tê-lo colocado ali, esforçando-me para dizer às pessoas o que Cristo representa na minha vida e como Ele a transformou. Caso contrário, o peixe não passa de um desenho e não faz diferença nenhuma.

Se eu me calar, “as pedras clamarão” (Lucas 19.40); e, se Deus me deu boca, não foi para engolir
o peixe.
Marina Hadlich Uliano de Souza
Texto publicado na "Zine", edição dezembro 2014/janeiro 2015 - Igreja Luterana Comunidade Centro Florianópolis.