quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

João nasceu, João morreu - antes dos 18

João nasceu, João morreu - antes dos 18

João, um nome comum, para um menino comum, que nasceu em família humilde, o que não quer dizer que por isso não tinha valores, pelo contrário, a mãe, que criou os filhos sozinha, sempre mostrou-lhes que o trabalho e a honestidade são os melhores caminhos. Dividida entre dois empregos, ela teve também que dividir tempo com os filhos. Enquanto eles relutavam em estudar, ela comprava livros para que eles, aos cinco e seis anos, se entusiasmassem com o ensino, enquanto eles queriam ir para a rua, ela insistia na creche.

Mais tarde a mãe foi chamada na escola e orientada a colocar o filho João em aula de reforço. Empenhada, a genitora conseguiu vaga em projeto cultural para João em período contraturno. Lá, aos dez anos de idade, ele jogava futebol, tinha aulas de reforço, aula de informática, capoeira. 

Mas o menino cansou dos livros, das bolinhas de gude, do projeto, do esporte. Aos doze anos viu na rua uma vida mais atrativa. A mãe estava no segundo emprego enquanto o filho estava em casa, dizendo que jogava videogame, mas na verdade descia a rua para ficar na companhia dos amigos. Passava o dia jogando conversa fora, às vezes soltava pipa. 

Depois começou a sair com os amigos para mais longe, para campinhos de futebol, mas não para jogar futebol, começou a acompanhá-los para onde quer que iam. Amigos estes que lhe ensinaram a enrolar um baseado de maconha. 

A mãe, sem poder acompanhar as amizades do filho de perto, torcia de longe, para seu sucesso na escola, na profissão e na vida. Pensava que ele ia mal na escola, que faltava nas aulas de vez em quando. Até ser chamada na escola.

O Conselho Tutelar foi acionado, a mãe advertida, chorando implorava ao filho para estudar e no futuro conseguir um bom emprego. Ela chegou a pensar em largar um dos empregos para ficar com João em casa. Mas era escolher entre a educação do filho e comida na mesa, não tinha opção.

Mãe que é mãe percebe quando o filho chega em casa com olhos vermelhos, com reflexos lentos e raciocínio demorado. Mas mãe é sempre meio cega, tenta internamente se convencer que é só uma fase.

João, com treze anos, já conhecia todos na rua, desde a dona da mercearia até o "leque" da "boca". Amizade, tinha com todos, até com o policial, seu vizinho. Passou a andar com adolescentes mais velhos, que já não estudavam também e viam no tráfico de drogas a vida farta e fácil que buscavam.

João, sem ocupação, com a mãe trabalhando, não perdia tempo, almoçava e corria para os amigos. Até que foi colocado na roda, fazendo um serviço rápido para ganhar um refrigerante, depois uma coxinha, outro dia um mp3, depois um celular, até um tênis novo. O negócio foi ficando lucrativo. Passou a vender o que antes só usava. A maconha vendia bem, mas rendia pouco, passou para o "pó" e para a "pedra". 

Quando a mãe voltava mais cedo do trabalho via o filho em más companhias. Na primeira vez viu o filho com corrente de prata, boné e óculos de sol que não foi ela quem dera. Pegou o menino pelo braço e levou de arrasto para a casa. João ficou mais revoltado ainda, já gritava com a mãe, dizia que já era adolescente, não queria passar vergonha na frente dos amigos e não precisa mais de ordens da mãe. 

João, aos quinze já era conhecido na rua como aquele que nunca fora pego pela polícia. Já pensava ser o maior dentre os amigos. Para provar que tinha poder e que todos lhe obedeciam, passou a praticar assalto com os "amigos" quando a venda dos entorpecentes estava fraca, ou quando seus amigos "perdiam" a droga para a polícia.

Nos primeiros roubos era só simulação de arma de fogo, celular embaixo da camisa, que já dava medo no granfino que entregava até a chave do carro. João viu que a vida era fácil e começou a ousar. Entrava nas casas até sozinho, sempre simulando arma, chegou a comer comida da geladeira. Já pensava ser imbatível e não tinha medo de permanecer longos períodos nas casas objeto de roubos, colocava tudo no carro das vítimas, levando desde joias, computadores, televisões, até cadeirinhas de bebê. 

Da sua própria mãe João já nem se lembrava. Passava não só os dias como as noites fora de casa. Sempre tinha um amigo com uma colchão sobrando. A mãe já não sabia mais a quem pedir ajuda. O pai abandonou o filho ainda quando criança, o Conselho Tutelar já não via mais solução, o projeto social já não tinha mais domínio sobre João. Agora a influência sobre ele era unicamente do tráfico de drogas, do ato infracional. A arma na cintura já era costume.

Quanto mais se ganha, mais se almeja. Quando mais se ousa, mais se atreve. Assim João foi galgando posições na vida infracional. Já não tinha mais receio, ria na cara das vítimas. Pego por algumas vezes, logo era liberado. Se ficava mais alguns dias internado, não tinha problema, logo retornava às ruas. A mãe sempre aparecia nas audiências chorando, sem saber como explicar as atitudes do filho e sem solução para os casos. 

João chegou aos 16 anos como um dos maiores traficantes de seu bairro e o mais ousado assaltante. Os assaltos foram ficando cada vez mais pesados, a arma já era apontada na cabeça das vítimas, até de crianças. João nunca teve valores de família depois que passou a viver mais nas ruas do que em casa. Tudo o que sua mãe lhe ensinou o tráfico apagou.

Se a ambição só cresce, os alvos também. João passou a assaltar em bairros nobres, entrar em casa até com câmeras de vigilância, mas suas ações não eram impedidas por estas armas, a sua era maior, a inimputabilidade. As consequências, breves, a reeducação almejada, inatingível. De volta às ruas, João só crescia, em estatura, malandragem e maldade.

Até que entrou na casa errada, onde ameaçou a família toda, rapou celular, notebook, fez roleta russa no bebê, sem medo. A vida era um risco, e esse risco não podia passar em branco. Queria deixar sua marca, nem que fosse nas vítimas. Mas essa casa era de parentes de policial. O alarme, em silêncio, foi disparado. Logo a viatura descaracterizada estava em frente à casa.

Se não tivesse reconhecido no portão o policial, seu vizinho, pensaria se tratar de mais um morador da casa chegando. João demorou a compreender a situação nunca foi pego em flagrante num assalto à residência, apenas nos assaltos na rua ou no tráfico.

Ao ver que o policial lhe encarava, João não pensou duas vezes, disparou contra o portão e correu para dentro da casa. A polícia armou o cerco. Correndo pelos corredores da mansão, João encontrou a porta de saída para os fundos, conseguiu escalar o muro, só não pensava encontrar ali, do outro lado, o policial vizinho, e também, a morte. João se negou a largar a arma, não queria ser levado, queria mostrar que conseguia escapar de mais uma, pulou o muro e desatou a correr ainda com a arma em punho. O policial vizinho, sem opção de refrear o adolescente, viu-se obrigado a atirar.

Na mesma noite o policial, acompanhado do Conselho Tutelar, bateu à porta da vizinha, mãe de João, trazendo-lhe a péssima notícia de que o filho tinha sido vítima de sua própria ganância. A mãe, em vez de se debulhar em lágrimas, respirou fundo, pegou a bolsa, pegou a mão do outro filho, fechou a porta e mudou-se para longe. Não queria ver o filho caçula ter o mesmo destino de João, que nasceu, cresceu e morreu antes dos 18 anos de idade. João, um nome comum, um fim também comum para alguns que dessa maneira vivem.

(História fictícia escrita em 2015, mas que pode ser verdadeira)



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